quinta-feira, 1 de março de 2018

O complexo religioso e os baptistérios de Mértola na Antiguidade Tardia. Virgílio Lopes. «O urbanismo de Myrtilis foi fortemente condicionado pela situação topográfica pré-existente. A vertente virada ao rio Guadiana implicou…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A história do burgo de Mértola foi, desde sempre, fortemente condicionada por dois factores que moldaram a sua ocupação e a sua importância ao longo do tempo. Em primeiro lugar, a sua localização estratégica: implantado no topo de uma elevação ladeada pelo rio Guadiana, a nascente, e pela ribeira de Oeiras, a poente, possuía excelentes condições naturais de defesa. Em segundo, o ser ponto extremo da navegabilidade do rio Guadiana: a montante da vila, o acidente geológico do Pulo do Lobo, com um desnível de catorze metros, impede a progressão de embarcações para norte, pelo que Mértola adquire importância fundamental como último porto de acostagem. Esses factores tornaram-na num importante entreposto mercantil, em permanente contacto com um vasto território interno e com o Mar Mediterrâneo. Pelo porto da cidade escoavam-se, por exemplo, o ouro, a prata e o cobre extraídos das entranhas da faixa piritosa ibérica e os produtos da agricultura das férteis terras de Beja, e afluíam as gentes de mil paragens e os mais diversos produtos e artefactos.
Estas características darão a Mértola um importante papel nos processos históricos subsequentes, pois as estradas e o rio não transportam somente mercadorias, mas também e, principalmente, as ideias e as culturas daqueles que as percorrem, influenciando as populações dos locais que visitam. Quanto maior é o número de visitantes estrangeiros, quanto mais é facilitado o contacto com eles, maior e mais marcante será a adopção de outras referências culturais, num sentido largo, e menos conservadora a sua evolução. Mértola, terra de comércio, é, sem dúvida, um local onde essa miscigenação deixou marcas relevantes. As escavações arqueológicas que decorrem na área do forum/alcáçova há mais de trinta anos têm incidido, sobretudo, nos níveis medievais e modernos, ou seja, numa necrópole que foi usada após a reconquista cristã até ao século XVII d.C. e, num plano inferior, um bairro do período islâmico. Apenas nas áreas onde este último registo arqueológico se encontra bastante destruído foi possível aprofundar a escavação, atingindo-se desta forma, os níveis mais antigos, nomeadamente o que se refere ao período paleocristão onde, no início de 2000, se exumaram restos dum grande pavimento de mosaicos.
Este excepcional conjunto musivo, sem paralelo em território nacional, vem reafirmar a importância de Mértola nos finais do Império Romano e na Antiguidade Tardia e a permanência dos contactos que esta urbe mantinha com o Mediterrâneo. Este período histórico, ainda mal conhecido, tendo em conta os poucos locais identificados e as escassas escavações a ele referentes, tem em Mértola um importante conjunto de vestígios arqueológicos, entre os quais se destacam, o complexo religioso com os seus dois Baptistérios, as Basílicas do Rossio do Carmo e do Cineteatro Marques Duque, o Mausoléu e a Torre do Rio. Estas descobertas contribuem significativamente para um melhor conhecimento de Mértola neste período, realçando a riqueza desta cidade portuária, capaz de proceder a grandes programas de obras e de desenvolver, nalgumas delas, apurados trabalhos, com acabamentos de refinada qualidade artística.

A cidade de Myrtilis
O urbanismo de Myrtilis foi fortemente condicionado pela situação topográfica pré-existente. A vertente virada ao rio Guadiana implicou que, do lado nascente e sul, se criasse uma estrutura de contenção das construções urbanas. Inevitavelmente, a topografia original levou à construção de fortes muros para suster e criar plataformas habitáveis que, simultaneamente, constituíam o sistema defensivo da cidade. A muralha actual tem um perímetro de cerca de 1.291 m e abarca uma área de cerca de 50.000 m2, ou seja, aproximadamente 5 hectares. Neste recinto são identificáveis quatro acessos que devem corresponder às portas existentes desde os tempos romanos. Na Antiguidade Tardia, Myrtilis manteve a sua importância económica e vocação mercantil. Os dados arqueológicos revelam que a actividade do porto de Mértola não decaiu, facto atestado pelas diversas importações de cerâmicas do Mediterrâneo oriental». In Virgílio Lopes, O complexo religioso e os baptistérios de Mértola na Antiguidade Tardia, Revista Medievalista, Número 23, Janeiro-Junho 2018, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT