sábado, 13 de janeiro de 2018

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «O clérigo acrescentou: o rei recusa-se a deixar-nos todos os bens dos mouros. E do saque continua a não querer ouvir falar»

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«(…) Mais nada? Trata-se de uma região fértil, de Invernos amenos e chuvosos. E como vemos, não falta sol. E os outros que quiserem depois seguir viagem?, lembrou Hadwig. Estará o rei à espera que arrisquem a pele por nada? Por mim, atalhou Gunther, não me importava de passar aqui o Verão. Pensas que seria sempre assim tão bom?, interpelou-o Konrad. Quando tivéssemos que combater debaixo deste calor, o Paraíso depressa se transformaria num Inferno. E, virado para o irmão: os nossos comandantes não recusaram logo a sua ajuda? Não, pediram dois dias de reflexão, durante os quais pretendem consultar-nos. Arnulf de Aarschot e Christian de Gistell reuniram-se com os seus homens, que expressaram os seus desejos. A maioria era da mesma opinião de Hadwig: os que seguissem viagem, depois do cerco, exigiam igualmente a sua recompensa. Os dois comandantes encontraram-se depois com os seus congéneres ingleses e franceses. Estes acrescentaram outras às propostas dos alemães e dos flamengos e chegaram a acordo em relação às exigências que iriam apresentar ao rei na próxima reunião: todos os bens dos fidalgos mouros seriam distribuídos apenas entre os cruzados; os portugueses ficariam de fora, não só desta distribuição, como também do saque, do qual os estrangeiros não prescindiam; os que pretendessem ficar em Portugal exigiam, além das terras, poder manter os costumes e os direitos dos seus países, assim como liberdade de impostos e de portagens para os seus produtos e barcos em todos os portos e cidades portugueses. As negociações falharam, anunciou um dos monges alemães. Konrad e Hadwig sorriram-se satisfeitos. O clérigo acrescentou: o rei recusa-se a deixar-nos todos os bens dos mouros. E do saque continua a não querer ouvir falar.
Quando vamos prosseguir com a nossa viagem?, perguntou Konrad. Isso ainda não se sabe, respondeu o monge. A Afonso Henriques foi concedido um tempo de reflexão. Ora essa! Para quê? No fim, acabou por dizer que queria pensar melhor nas nossas propostas. Além disso, pretende cumprir o código de cavalaria e enviar uma delegação até junto das muralhas, que tentará convencer os infiéis a renderem-se, entregando a cidade pacificamente. E quem pertence a essa delegação?, perguntou Gunther desconfiado. Só portugueses? Não. O comandante inglês e o seu clérigo, Gilbert de Hastings, acompanharão o arcebispo de Braga e o bispo do Porto. Konrad alegrava-se com o facto de a maioria dos cruzados já estar a preparar a sua partida, depois de os mouros terem recusado a rendição. Além disso, o tempo de reflexão concedido ao rei ia-se alongando e os homens perdiam a paciência. A sua alegria estava porém ensombrada: Johann pretendia levar Ausenda com ele até à Terra Santa! Os irmãos só não tinham chegado a vias de facto, porque Hadwig conseguira acalmar o mais velho. Que mal é que tinha, perguntara, acrescentando que a rapariga era humilde e sossegada. Konrad teve que lhe dar razão, parecia não se confirmar o seu receio de que ela se continuasse a oferecer a quem melhor lhe pagasse.
No barco de Konrad conversava-se sobre a partida, quando um grupo de portugueses, ao qual pertenciam Julião e Tomé, saltaram a bordo. Gritavam e gesticulavam como doidos, os estrangeiros olhavam-nos embasbacados. Hadwig perguntou a Johann: percebes alguma coisa? O rapaz pediu a Julião que se acalmasse e, depois de trocar algumas palavras com ele, informou: um grupo de portugueses surpreendeu alguns mouros que tentavam descarregar reservas de um depósito subterrâneo perto da cidade. Depois de aprisionarem os infiéis, entraram nessa matmûrâ e espantaram-se com as quantidades enormes de cereais lá armazenados, além de muitas outras coisas. Eles guardam os cereais debaixo da terra?, admirou-se Gunther. Não têm celeiros? É para os proteger do calor, replicou Johann. Julião gesticulava e continuava a falar. Ele diz, traduziu o rapaz, que nós devíamos ir ver esse depósito..., ou matamorra, como ele lhe chama. Para quê?, perguntou Konrad. E porque não?, atirou um dos seus companheiros de viagem. Talvez possamos arrebanhar mais reservas para o resto do caminho.Não eram eles os únicos que se punham em movimento em direcção à cidade. De todas as outras naus saltavam cruzados e seguiam grupos de portugueses que tinham espalhado a novidade». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT