quinta-feira, 27 de julho de 2017

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Aceita o seu favor de qualquer modo, mas não te fies dela de tal arte que te esqueça que o bem terreno é lodo»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Recebendo piério muita honra na companhia de el-rei, em salvaterra
«Piério, tu que logras a ventura
de ver benigna a face do Soberano,
compadece-te lá do acerbo dano
que nos cerca, apesar da fé mais pura.

não turbes dos prazeres a doçura,
mas tira saudável desengano
de ver fugir um ano e outro ano,
enquanto nos persegue a sorte escura.

Vê com quanta incoerência os bens reparte
a Fortuna, que injusta oprime o todo,
bem que respeite em ti a melhor parte;

Aceita o seu favor de qualquer modo,
mas não te fies dela de tal arte
que te esqueça que o bem terreno é lodo».


Oferenda aos mortos
«Aquele outeiro sombrio
está de névoas coberto;
escorre entre canas, perto,
fraco e murmurando, um rio.
Naquele negro pinhal,
como tocha funeral,
brilha modesta candeia,
que ao pastor pobre alumeia
com a luz embaciada;
vem por corvos arrastada
a Tarde;
a luz apenas das estrelas arde!...

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
das frestas dos edifícios
vergonhoso mocho voa,
e com seus uivos atroa
os Génios dos malefícios;
saem Fadas peregrinas
a dançar sobre ruínas,
e vêm por entre perigos
gnomos, trasgos, inimigos.
Alumeia
o pirilampo incerto esta coreia.

Que pavor
espalha em todo o campo a minha dor!...
Estão todas apagadas
as luzes da Outra-Banda;
pelas praças ninguém anda,
vagam as sombras caladas.
naquele triste convento
dobra o sino sonolento;
o ar com os sons esmorece.
O horizonte empalidece»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

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