quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária. Nuno V. Oliveira. «Depois de ter perdido a esperança que São Bernardo empreendesse tal tarefa, e após ter solicitado semelhante pedido a outros teólogos, ele próprio se propôs a tal tentativa».

Cortesia de wikipedia e jdact

 «(…) Seria necessário dedicar todo um tratado para analisar este homem cuja oratória e poder de persuasão fazia agitar tudo à sua volta. Esse não é o objectivo desta reflexão, mas apenas focar um ponto pouco debatido da personalidade do abade de Claraval que se insere directamente no nosso estudo: a sua influência na arquitectura militar. No que se refere à História da Arte sempre foi reconhecido ao santo um papel fundamental na difusão da arte religiosa, pela concepção de uma nova arquitectura gótica. Oposta à arte de Cluny está a de Cister, uma linguagem depurada, sem ornamentos ou formalizações excessivas, de que Alcobaça permanece entre nós como um dos mais paradigmáticos exemplos. Todavia, no que se refere à arte militar, parece desde sempre descurada a sua influência neste domínio, apesar do carácter guerreiro que, nalguns escritos, transparece da sua personalidade. Será absurdo pensar que terá influenciado a arquitectura dos castelos das Ordens Militares, sobretudo a arte templária? Podemos considerar o Templo e, por arrastamento, outras ordens religiosas militares como uma criação perfeita do cristianismo ocidental? Terá tido São Bernardo um papel inovador nesta conjuntura?
Para se entender o sentido atribuído pelo monge à arquitectura militar devemos, por um lado, recorrer à sua produção literária, e, por outro, tentar enquadrá-la no leque variado de referências que esses seus escritos recebem. Deste modo, é imprescindível compreender as posições que tomou acerca da legitimação da guerra e da sacralização limitada da violência. Jean Leclercq, no artigo A atitude espiritual de São Bernardo perante a guerra, abordou, numa brilhante síntese, o carácter de um homem de paz na sociedade agressiva do seu tempo. Através deste texto, são desenvolvidas as diferentes intervenções do abade de Claraval nos diversos tipos de confrontos, quer entre cristãos, quer sobretudo entre estes e todos os outros, muçulmanos, ou mesmo judeus e heréticos, em que esteve envolvido, como impulsionador ou apaziguador, nos últimos anos da sua vida. No conjunto destas situações, destacam-se as que envolvem o Islão, onde o cisterciense defende o recurso à guerra defensiva, mas sempre tendo como missão reduzir ao mínimo a violência e, como objectivo final, restabelecer a paz. Aquele autor conclui: ele sentiu a dificuldade que existe em estar dividido entre as exigências do Evangelho e os dados próprios da cultura a que pertencia, e que o limitava. Houve também nele, por vezes, uma mescla de violência e de não-violência: ele dá sempre preferência à segunda.
Apesar do estudo intenso em torno de São Bernardo, muito pouco se sabe do conhecimento que ele teria da realidade muçulmana da época. Alguns autores sustentam que os místicos cristãos e muçulmanos, ao invés de serem tipos opostos, assentavam em paralelos tão flagrantes que permitem estabelecer influências, quer unilaterais quer recíprocas. A Península veio a constituir uma placa giratória entre esses mundos em confronto, muito por via da redescoberta das fontes hebraicas, a qual permitiu o estabelecimento de contactos pacíficos. Por paradoxal que possa parecer, diversos autores têm comparado, na Península, o clima de luta espiritualizada imprimido pelos Cistercienses ao do seu inimigo, os Almóadas provenientes do Norte de África. Segundo D. Maur Cocheril, paralelamente ao movimento nascido da reforma gregoriana e que se concretiza no intransigente rigorismo de Cister, desenvolve-se no Magreb um movimento idêntico, sem que seja possível de explicar esse fenómeno pelos contactos de um com o outro (...) com mentalidades profundamente hostis, radicalmente incapazes de se compreender. O mesmo autor defendeu que os Almóadas africanos e os Cistercienses, com os Cruzados franceses, são os elementos estrangeiros que imprimem à Reconquista um carácter de guerra santa desconhecido dos autóctones, Cristãos e Muçulmanos. Noutra perspectiva, Torres Balbas vai ao ponto de sustentar que a arquitectura religiosa cisterciense pode ter sofrido a influência almóada. Como veremos, tais considerações interessam, em muito, a esta problemática.
O conhecimento do Islão no Ocidente medieval ter-se-à devido também a um relativo intercâmbio cultural entre europeus, sobretudo francos, e muçulmanos no Oriente, apesar de aí ser muito mais uma zona de guerra do que de transmissão de ideias ou de livros. Mas, no século XII, a Terra Santa já não é terra incognita. Muitos francos falavam o árabe, como Reinaldo de Châtillon ou Reinaldo de Sidon. No entanto, se exceptuarmos poucos exemplos peninsulares, quase sempre traduzindo obras filosóficas e científicas de textos originais gregos, antes da acção premeditada de Pedro, o Venerável, os investigadores não têm encontrado qualquer tradução de livros da doutrina árabe para o latim ou o francês. O abade de Cluny foi, porventura em toda a Cristandade, o homem mais empenhado em substituir às lendas fantasistas de alguns seus contemporâneos uma imagem mais aprofundada do Islão e do seu fundador, Maomé. Tinha perfeita consciência da ignorância profunda que os europeus revelavam do credo muçulmano. O seu objectivo primordial era a defesa pacífica da Cristandade, lutando, no terreno intelectual, contra aquilo que considerava ser a heresia sarracena, para chamar deste modo os muçulmanos à verdadeira fé e preservar os crentes cristãos desse contágio. Para tal reúne uma equipa de competentes tradutores encarregada de transpor para o latim os documentos autênticos referentes à vida do profeta, da sua doutrina e do livro sagrado do Islão, o Corão. Graças à sua determinação e à difusão que os clunisinos se encarregaram de fazer, os cristãos passaram a dispor de fontes seguras acerca da religião muçulmana. Chega inclusivamente a enviar ao abade de Claraval um apanhado histórico acerca do nascimento do Islão e da biografia do seu fundador, para o incitar a que, com base nestas informações, compusesse uma apologia anti-islâmica, à qual o destinatário não ousou responder. Depois de ter perdido a esperança que São Bernardo empreendesse tal tarefa, e após ter solicitado semelhante pedido a outros teólogos, ele próprio se propôs a tal tentativa». In Nuno Villamariz Oliveira, O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT