segunda-feira, 31 de julho de 2017

No 31. O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária. Nuno V. Oliveira. «Ele, ao viajar por toda a Europa, onde a sua presença era muitas vezes requerida, sempre foi, aliás, um peregrino pela Fé, um homo Viator»

Cortesia de wikipedia e jdact

 «(…) Neste último parágrafo o abade de Claraval parece falar não apenas para os homens da igreja mas também, e de modo directo, para os próprios guerreiros. Aliás, a guerra é, para ele, desenvolvida em vários locais. Um desses lugares de combate é o mosteiro, outro é o reduto defensivo, o castelo. Nas palavras de J. M. de la Torre, a liturgia do monge, segundo São Bernardo, (tal como a do cavaleiro), deve ser uma busca autêntica, contínua e perseverante, numa atmosfera de combate. A própria formação do abade de Claraval, iniciado no espírito da cavalaria, projectando um ideal de amor cortês através do culto da Virgem Maria, reflecte uma influência dos mitos e lendas do ciclo bretão e arturiano. Para René Guénon, ele é o protótipo de Galaaz, o cavaleiro ideal e sem mancha, o herói vitorioso da “demanda do Santo Graal. São Bernardo, monge da contemplação e da acção, inspirador não apenas da ordem cisterciense, mas também do Templo, assume uma dupla missão, quer no plano espiritual e religioso, contribuindo para uma Igreja mais purificada e ascética, quer no plano temporal, através do ideal templário e da pregação de uma nova Cruzada, para o Oriente e para o Ocidente peninsular, em lugares onde se firmava o Islão.
Neste ambiente de luta espiritual, compreende-se o empenho que o abade de Claraval demonstra em encorajar a Ordem dos Templários, que Hugues de Payns, seu primo, tinha fundado, uma estrutura militar de alma cisterciense, constituída por profissionais de armas encarregados da defesa dos Lugares Santos, juntando o combate com a oração. Através dela o abade de Claraval não pretende derramar o sangue dos opositores da fé cristã, mas atender à defesa da herança espiritual da Cristandade, a Terra Santa, ameaçada pelos ataques muçulmanos, impede que essa defesa se faça sem acudir às armas. Esta doutrina do perigo latente no lugar onde Cristo venceu pelo seu sangue levou São Bernardo a esgrimir com a sua pena o Elogio da Nova Milícia onde reconhece que a ele próprio, como religioso, lhe está vedado o emprego das armas. O carácter castrense dos Templários, a militia por excelência, traduziu-se numa nova atitude perante a guerra, associando-a directamente a uma forma diferente de encarar a vida monástica. Até à sua formação, as ordens religiosas cristãs no Oriente não se dedicavam a funções militares, estando a sua acção restrita ao apoio a peregrinos. O novo instituto nasce com o objectivo claro de defender o Reino Latino de Jerusalém, numa vivência pautada por um clima de guerra permanente contra os seus inimigos. Nesta conjuntura, após a queda de Edessa, em 1144, deve ser igualmente destacado o empenhamento pessoal do abade de Claraval na Segunda Cruzada. Esta nova acção da Cristandade, a que muitos chamam a Cruzada cisterciense, foi apresentada por São Bernardo como uma oportunidade especial de salvação para aqueles que tomavam a cruz, conseguindo transformar as reticências iniciais da aristocracia naquilo a que André Vauchez designa por uma catarse colectiva, uma aventura do espírito, uma peregrinação santificadora.
No Tratado sobre as glórias da nova milícia, poderoso opúsculo apologético e teológico, São Bernardo utiliza uma linguagem crítica virulenta quando descreve os soldados orgulhosos e bem aparelhados, em contraste com os novos monges soldados, pobres, castos e obedientes. Encontramos de um lado esse exército que não é uma militia, mas antes uma malitia, feita de decadentes guerreiros de cabeleiras longas, de escudos pintados e de esporas de ouro. Ao invés, os cavaleiros de Cristo, que nada possuem de próprio, que nunca se aprumam, negligenciando a barba e o cabelo, cobertos de pó, negros do sol que os abrasa e da malha que os protege. Também é interessante verificar que, nessa obra, São Bernardo compõe, como refere Jean Leclercq, um guia para os viajantes na Terra Santa: mais do que animar os guerreiros, ele conduz uma peregrinação. Ele, ao viajar por toda a Europa, onde a sua presença era muitas vezes requerida, sempre foi, aliás, um peregrino pela Fé, um homo viator. Segundo a sua descrição, não confirmada na sua totalidade, os cavaleiros eram responsáveis por quase todos os lugares sagrados para os cristãos: o Templo de Jerusalém, Belém, Nazaré, o monte das Oliveiras, o vale de Josaphat, o Jordão, o Calvário e o Sepulcro. Sabe-se, no entanto, que a rota entre Jerusalém e Jericó, assim como o lugar do baptismo de Cristo no rio Jordão, estavam muito bem defendidos pelos Templários. Com um estilo literário pujante, São Bernardo opõe a nova cavalaria, os Templários, à cavalaria secular, isto é, a todas as outras. Esta nova cavalaria conduz um duplo combate, contra a carne e contra os espíritos da malícia espalhados nos ares. Para o novo cavaleiro, Cristo é a sua vida; Cristo é a recompensa da sua morte. Percebemos, assim, que o abade de Claraval justifica o trabalho do soldado apoiado no ensinamento de Cristo, desenvolvendo a ideia de guerra defensiva em torno da Terra Santa, lugar que representa a herança e casa de Deus, ameaçada pelos infiéis». In Nuno Villamariz Oliveira, O Ideário de São Bernardo e a sua Influência na Arquitectura Militar Templária, Revista Medievalista, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais, FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT