domingo, 7 de maio de 2017

Os Sete Minutos. Irving Walace. «Porque é que Os Sete Minutos foi assim tão proibido?, quis saber Kellog. Por ser imoral? É esse o motivo?»

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«(…) Agora passou; ela já está melhor mas ainda continua no Hospital São João e quer ler um pouco. A gente acaba por se cansar de assistir só à televisão. As pessoas estão a ler livros mais do que nunca, graças à televisão, concordou Fremont, muito sério. Não há nada que se compare com a experiência de um bom livro, como decerto a sua esposa sabe. Um bom livro, repetiu Kellog. Sim, é isso que eu quero levar-lhe. Bem, olhe, nós temos algo para contentar todos os gostos. Se puder dar-me uma ideia... Kellog aproximou-se mais do proprietário da livraria. A velha lê de tudo. Até sobre história. Mas a maior parte acho que é ficção, romances. Em todo o caso, para o hospital, não creio que precise ser profundo ou triste de mais. Talvez qualquer coisa rápida e fácil de ler, qualquer coisa que seja animada. E recente, tem que ser novidade, para eu não levar nada que ela já tenha lido emprestado. Ontem, à noite, eu perguntei o que é que ela gostaria..., mas apenas respondeu: Otto, faz-me uma surpresa. E se de facto não conseguires lembrar-te de nada, passa lá pelo Ben Fremont e vê o que ele aconselha. Por isso eu vim.
Ora, então, tenho a certeza de que se pode encontrar... Lógico, interrompeu Kellog, debruçando-se no balcão e baixando a voz, não creio que ela se importe de que o livro tenha um pouco de realismo. Sabe como é, algo com um pouco de..., ora... Ah, sim, claro, eu entendo. Não me leve a mal. Ela também gosta de coisa difícil, intelectual, mas divertiu-se a valer com o tal Lady Chatterley. Olhe, é este o tipo de assunto estimulante, de verdade mesmo, sabe o que quero dizer? E no entanto era um clássico, só que pelo menos não era uma chatice. Pois lá está ela no hospital e se tiver alguma coisa que seja quase tão boa e recém-publicada... Quase tão boa? Fremont interessou-se logo. No momento em que descreveu a sua esposa, eu ia sugerir uma coisa. Olhe, tenho um livro recém-publicado, uma novidade óptima, que ainda nem foi lançado oficialmente e é dez vezes melhor que Lady Chatterley ou outro clássico no género. Talvez mil vezes melhor. Vivo repetindo isto a cada mulher que entra aqui na loja, e não é qualquer livro que eu recomendo. Daqui a duas semanas, sou capaz de apostar, todas as leitoras de Oakwood, de Los Angeles inteira, estarão encantadas com o livro. Fremont apanhou um volume na pilha ao lado da registradora. Ei-lo. Ela está no hospital? Pois é exactamente o que o médico recomenda.
Kellog começou a tirar os óculos escuros. Que é que diz aqui na capa? Fremont apontou o dedo para o título na sobrecapa. Os Sete Minutos, de JJ Jadway. Isto é uma coisa que nenhuma mulher jamais há-de esquecer. Vai deixar a sua esposa empolgada, totalmente empolgada..., e, no entanto, tem valor literário. Ah, tem valor literário. Bom. Eu não sei, talvez não seja exactamente... Desculpe. Eu confundi-o com essa expressão. Só queria dizer que não é leitura de envergonhar quem está habituado a ler, uma leitora esclarecida como sua esposa. Muita gente, não sendo esclarecida, não passando de ignorante ou puritana, seria capaz de se indignar com o assunto. Mas quando se conhece a vida, só se pode gostar de um romance como este. Na minha opinião, qualquer obra de Cleland, DH Lawrence, Frank Harris, Henry Miller fica parecendo água com açúcar comparada a Jadway. Eles não sabem absolutamente nada de sexo, aliás, ninguém sabia, até que Jadway aparecesse. Foi ele quem inventou. Inventou para Os Sete Minutos, com a diferença de que é um assunto autêntico, que tem mais realidade do que tudo quanto já li.
O senhor leu o livro? Duas vezes. A primeira em Paris. Na edição Étoile. Os franceses não queriam que fosse publicado em francês, e os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não queriam que fosse publicado em inglês, de forma que só havia aquela pequena edição especial para turistas em Paris. Depois li esta primeira edição pública, a primeiríssima para o público em geral. Não viu o anúncio grande no jornal de domingo? O livro mais proibido de todos os tempos. Porque é que Os Sete Minutos foi assim tão proibido?, quis saber Kellog. Por ser imoral? É esse o motivo? Fremont franziu a cara.
O livro foi proibido porque..., sim, creio que se pode dizer que foi proibido em todos os países do mundo por ter sido considerado imoral. Até que um grande editor de Nova Iorque teve finalmente a coragem de afirmar: o mundo talvez já cresceu um pouco, ao menos certas pessoas, e já esteja na hora de publicá-lo..., porque, seja qual for o epíteto que deram a este livro, imoral ou sei lá o quê, não impede que seja uma obra-prima. Como pode um livro ser imoral e, ao mesmo tempo, obra-prima? Este é. As duas coisas. O senhor considera-o imoral, Mr. Fremont? Quem sou eu para opinar? Trata-se apenas de uma palavra como outra qualquer. O que para muita gente é palavrão, outros acham bonito. Vá lá entender-se! Certas pessoas, a maioria talvez, dirão que é imoral, mas haverá uma porção que achará que vale a pena». In Irving Walace, Os sete Minutos, 1969, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.

Cortesia de LdoBrasil/JDACT