sábado, 6 de maio de 2017

Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média: organização do espaço, aproveitamento dos recursos e exercício do poder. José Augusto Oliveira. «… alguma irregularidade orográfica, se conjugaram com uma forte dispersão, “no país de Azeitão” as diversas quintas…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Um simples olhar, sobre um qualquer mapa que represente a península de Setúbal, facilmente fixa a fractura definida pelo traçado do esteiro que conduz a ribeira de Coina até ao Tejo. Com efeito, ficam assim compartimentados distintos territórios, ainda que sejam tradicionalmente integrados na mesma província. É na porção ocidental da península de Setúbal que descortinamos, de forma mais evidente, os factores naturais comuns à Estremadura: contrastes orográficos, mais amenos no caso de Almada, onde prevalecem terras baixas, atravessadas por colinas suaves; contrastes mais tensos e violentos, na faixa meridional, marcados por uma irrupção montanhosa excepcional, a Arrábida, que sucede à depressão da zona central da península; depois, largas manchas arenosas preenchidas por pinhais a perder de vista; finalmente, um clima atlântico matizado por influências mediterrâneas.
À componente geográfica sobrevinha o critério histórico: o espaço em causa coincidia, sensivelmente com os medievos concelhos de Almada, que então englobava o território hoje afecto ao município do Seixal, Sesimbra, que compreendia o chamado país de Azeitão e, confrontando com estes, o enclave de Coina, que contornava a confluência da ribeira homónima com um profundo esteiro do Tejo. A definição destas unidades administrativas estruturou-se, como ocorreu na generalidade do território português, no contexto da conquista cristã. Embora não disponhamos de testemunhos escritos, alguns vestígios arqueológicos, reforçados por uma toponímia relativamente profusa, sugerem uma efectiva presença muçulmana em Sesimbra, em Azeitão, na encosta meridional da serra da Arrábida, junto aos esteiros do Tejo e, mais intensamente, nos arredores de Almada, com prolongamento até à Trafaria.
O processo de colonização do território, na sequência da conquista cristã, permanece nebuloso. A entrega de Almada a ingleses, como recompensa da sua participação na tomada de Lisboa, em 1147, não passará de uma fantasia e a doação de Sesimbra a flamengos não teve qualquer eficácia prática. O laconismo das fontes escritas terá a sua explicação. Depressa este eixo de avanço cristão, outro articulava Santarém e Évora, se orientou em direcção a Palmela e a Alcácer do Sal, marginalizando a face ocidental da Península de Setúbal. Escassos indícios apontam para uma apropriação do espaço por parte de membros das elites urbanas lisboetas: magistrados municipais, membros do cabido, mercadores abastados, oficiais régios. Contudo, uma parte significativa da terra terá permanecido ou caído nas mãos de elementos populares menos prestigiados, conforme se infere do peso da propriedade alodial.
As gentes procuraram, naturalmente, as terras mais produtivas e acessíveis, mas com diversas condicionantes e particularismos. Contudo, enquanto nos arredores de Almada a fragmentação da propriedade e, até, alguma irregularidade orográfica, se conjugaram com uma forte dispersão, no país de Azeitão as diversas quintas remeteram os camponeses para pequenas aldeias que se distribuíram pela estrada que percorria o sopé da Pré-Arrábida. Já nos terrenos arenosos, que se estendiam da Azóia até Alfarim, então aproveitados preferencialmente para o cereal, dominava um povoamento intercalar, com pequenos núcleos, quase sempre coincidentes com as cabeças dos casais que preenchiam a zona. Como centros urbanos, pese a sua modesta dimensão, podemos classificar as vilas de Almada, Coina e Sesimbra, esta com uma dupla existência. Na sua origem confinada ao recinto amuralhado do castelo, foi literalmente substituída pelo povoado ribeirinho, em finais do século XV». In José Augusto Oliveira, Na Península de Setúbal, em finais da Idade Média: organização do espaço, aproveitamento dos recursos e exercício do poder, Dissertação de Doutoramento em História Medieval, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Centro de Estudos Históricos, FCSH-UNL, 2008, Revista Medievalista, Ano 5, Nº 6, Julho de 2009, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT