segunda-feira, 15 de maio de 2017

A Irmandade Perdida. Anne Fortier. «Está gostando de Oxford?, perguntara, ainda equilibrando o café em cima dos livros. Desculpe, como é mesmo o seu nome?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Por algum motivo, nunca notei como era sistemática a nossa movimentação pela cidade e como minha mãe parecia decidida a mapear as nossas rotas com antecedência e se ligar a elas, mesmo quando o clima era desencorajador..., só no dia em que ela me segurou pelo braço e, com a mesma voz de um cavaleiro cruzado que finalmente se depara com o santo graal, exclamou: olhe ele ali! E, de facto, ali estava ele, saindo da livraria Blackwell’s da Broad Street, equilibrando uma pilha de livros e uma xícara de café. Se não fosse pela minha mãe, eu jamais o teria reconhecido, mas não havia passado a última década acompanhando o crescimento de nosso alvo com o auxílio de um binóculo e de revistas cor de rosa. Para mim, James Moselane continuava sendo um príncipe adolescente numa floresta encantada, mas a pessoa que tinha saído da livraria era um adulto de proporções perfeitas, alto, atlético, porém inteiramente despreparado para a cilada que o aguardava.
Que coincidência!, falara minha mãe, que atravessara a Broad Street a passos largos e o interceptara antes mesmo que ele a visse. Nem sabia que estudava em Oxford! Não deve ter reconhecido Diana... Só então minha mãe reparara que eu não estava do seu lado. Ela virou-se para mim com uma careta que já dizia tudo. Eu nunca tinha sido uma pessoa covarde, mas o terror que senti ao entender de repente que era aquilo, exactamente aquilo, que tínhamos passado tanto tempo perseguindo quase me fez virar as costas e sair correndo. Embora James não pudesse ver a expressão lívida de minha mãe, com certeza percebera o seu aceno frenético e a minha consternação. Somente alguém de raciocínio muito lento não teria interpretado aquela situação num piscar de olhos, mas, verdade seja dita, James cumprimentara nós duas com uma cordialidade perfeita.
Está gostando de Oxford?, perguntara, ainda equilibrando o café em cima dos livros. Desculpe, como é mesmo o seu nome? Diana Morgan, respondera a minha mãe. Igual à princesa Diana. Deixe-me anotar. Ignorando meus cutucões e súplicas sussurradas, ela remexera dentro da bolsa e tirara um pedaço de papel. E a faculdade em que ela estuda... Mãe! Foi preciso toda a minha força de vontade para impedi-la de escrever também meu telefone, e ela ficara muito zangada comigo por puxá-la para longe antes de ter exaurido sua bajulação descarada. James não aparecera mais depois disso, o que não foi nenhuma surpresa. Eu provavelmente nunca mais o encontraria não fosse por Katherine Kent. No ano seguinte, pouco antes do Natal, ela me convidara para uma recepção no museu Ashmolean, e acabei descobrindo que o evento era em homenagem à recente doação de artefactos antigos da Colecção Moselane.
Venha cá!, dissera ela, puxando-me de perto de uma linda estátua da deusa egípcia Ísis e abrindo caminho pela multidão de gente importante. Quero apresentar você. Os Moselanes são muito úteis. Katherine era uma mulher de pouca paciência e havia aperfeiçoado a arte de se intrometer em conversas e roubar a presa que lhe interessasse. James! Esta é Diana. Talentosíssima. Ela quer saber quem limpou a sua Ísis. Depois de quase engasgar com o champanhe, James se virara para nós, tão lindo de fato e gravata que as minhas fantasias de menina voltaram a galope num segundo». In Anne Fortier, A Irmandade Perdida, 2014, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.

Cortesia de EArqueiro/JDACT