quarta-feira, 3 de maio de 2017

A Batalha de Toro. António F. Barata. «Não quis ficar nos reinos ocioso o mancebo Joanne; e logo ordena de ir ajudar ao pai ambicioso…»

wikipedia e jdact

1º de Março de 1476
«Desde que, há um ano, li o notável livro do Académico Madrileno, A. Sanches Moguel: Reparaciones históricas, impresso em Madrid em 1894, me ficaram desejos de revisitar os conhecimentos que eu tinha, havia muito, acerca da Batalha de Toro, ou de Zamora, pois que o livro a isso me convidava nesta afirmativa: Toro es, en efecto, el desquite de Aljubarrota, que se lê a páginas 292.
Primeiramente: para que Toro seja desquite (desforra) de Aljubarrota, importa estudar as circunstâncias, os pormenores dos dois combates. Em poucas palavras direi o que se colhe dos livros, tanto portugueses como castelhanos. Ambas as batalhas se feriram em campina plana, ou levemente ondulada. Combateram em Aljubarrota 30 000 castelhanos contra 10 000 portugueses, números redondos. O rei de Portugal batalhou a pé, como qualquer cavaleiro; os castelhanos traziam cavalaria, que os portugueses não tinham; traziam a rudimentar artilharia, os trons; logo: tinham por si o número, três vezes maior, artilharia e cavalaria. Ninguém contesta a derrota total, formalíssima dos castelhanos em menos de meia hora!
Em Toro, ou Zamora, empenharam-se forças que não se estudaram ainda bem; uns dão maior número aos castelhanos (o que é natural) outros lhe concedem forças iguais ou quase iguais. O rei de Castela não combateu na batalha de Toro; colocou-se a uma légua de distância (certamente lembrando Aljubarrota) e desatou a fugir mal viu volver costas a seis alas do seu exército, ante as forças esforçadas do filho do monarca Afonso V; os portugueses levavam artilharia; o combate prolongou-se por três horas, com muita valentia de parte a parte; Afonso V não venceu; mas venceu o filho; logo, a Batalha de Toro não foi a desforra da de Aljubarrota, porque para o ser, forçoso seria haver igualdade nos elementos constitutivos dos dois exércitos.
Para uma cousa ser antítese de outra preciso é que o seja em todas as suas particularidades. A Batalha de Toro foi ganha pelas forças de Castela contra as de Afonso V, por uma dessas eventualidades da guerra, que nem seus cabos explicam, muitas vezes, e a que as crenças religiosas chamam: a influência do Deus das vitórias. Não nego que o mesmo se possa dizer da de Aljubarrota; possível seria que S. Jorge vencesse nela a Sant'Iago. Mas a batalha de Toro foi ganha pelas forças do príncipe João de Portugal e do bispo de Évora, Garcia Menezes, contra as seis alas do exército de Castela, que fugiram acossadas e desfeitas.
Em Aljubarrota não ficara um castelhano no campo, que não fosse ou morto, ou prisioneiro. Em Zamora ficou senhor do campo em que se colocara depois da luta com os seus vencedores, o príncipe João de Portugal. Será, pois, isto um desquite de Aljubarrota? Entendo que não.
Se escreverem que o fora por ter posto fim à guerra desgraçada do ambicioso africano, entendo que sim. Mas, não basta esta síntese de leitura feita, que tem ares dogmáticos: preciso é o mostrar como tantos portugueses, como castelhanos, como franceses, como alemães criticaram o combate de Toro. Começarei pelos de casa, como é natural. E porém o Príncipe despois do desbarato que fez, ali onde acabou de recolher sua jente, esteve no campo em hum corpo çarrado sem nunca mover atrás sua bandeira... (Ruy de Pina: Crónica de D. Affonso V cap. 191).
El Príncipe al tiempo del fracaso padecido de su Padre iva seguindo el alcance de las seis alas ia rotas, pero quando entendió lo que pasava (a derrota do pae) aun que non pudo revocar a todos de la corriente que levavam apiñose con los que pudo i otros que de otra parte de su Padre vencida se le acercaron, en una elevacion...
Fué vencida esta parte; (a de Afonso) confesamoslo; sin que lo doremos. Pero el huir una del campo i quedar otra vitoriosa en el varrido de los contrarios, digan los doctos en los estudios militares que nombre há de tener, mientras io que no los professo no sé como le hé de lamar, pues halo quien no quiere que le lamemos vitoria... (Faria e Souza: Europa Port. 2º pag. 407)
...a nosso Senhor aprouve que nos deixassem o campo, adonde com gloriosa vitória permanecemos vencedores... (Carta de João II fazendo mercê a Lourenço Faria, seu alferes. Torre do Tombo, L.º 2º da Extremadura, pag. 274)

Porém depois, tocado de ambição
e glória de mandar, amara e bela,
vai cometer Fernando de Aragão,
sobre o potente reino de Castela.
Ajunta-se a inimiga multidão
das soberbas e várias gentes dela,
desde Cadix ao alto Pireneu,
que tudo ao rei Fernando obedeceu.

o mancebo Joanne; e logo ordena
de ir ajudar ao pai ambicioso,
que então lhe foi ajuda não pequena.
Saiu-se enfim do trance perigoso
com fronte não turvada, mas serena,
desbaratado o pai sanguinolento;
mas ficou duvidoso o vencimento;

porque o filho sublime e soberano,
gentil, forte, animoso cavaleiro,
nos contrários fazendo imenso dano
todo um dia ficou no campo inteiro
(Camões: Lusíadas C. IV est. 77-78 e 79).

em que cada um dos exércitos ficou meio vencedor, meio vencido

O Principe João depois de seguir & de perseguir por largo espaço aos que vencera, & lhe fugião, voltando a soccorer seu pay, e achando-o vencido, se manteve no campo, senhor d'elle, como vencedor… (F. de S. Maria: Anno Historico, tom. 1º pag. 278).

In António Francisco Barata, A Batalha de Toro, 1896, Projecto Livro Livre, 661, 2015

Cortesia de PLLivre/JDACT