domingo, 26 de março de 2017

Emma. Jane Austen. «Não gostaríamos tanto dela como gostamos se isso fosse possível, senhor. Mas ela sabe quanto o casamento é vantajoso para miss Taylor»

jdact e wikipedia

«(…) De modo algum, senhor. Está uma bonita noite de luar, e tão amena que é preferível me afastar da sua lareira. Mas deve estar muito húmido e enlameado. Espero que não apanhe um resfriado. Enlameado, senhor? Olhe os meus sapatos, não têm nenhuma mancha. Bem, isso é surpreendente, pois choveu muito por aqui. Caiu uma chuvada terrível durante meia hora, quando tomávamos o café da manhã. Queria até que eles adiassem o casamento. A propósito, não lhes desejei felicidades. Sei bastante bem o quanto vocês dois estão felizes, por isso não me apressei em congratulá-los; mas espero que tudo tenha corrido razoavelmente bem. Como todos se comportaram? Quem chorou mais? Ah! Pobre miss Taylor! Isso é muito triste. Pobre mr. e miss Woodhouse, talvez, mas não posso dizer pobre miss Taylor. Tenho grande estima pelo senhor e por Emma, mas quando é uma questão de dependência ou independência... De qualquer forma, é melhor ter apenas uma pessoa para agradar do que duas. Especialmente quando uma delas é uma criatura caprichosa e impertinente!, disse Emma, brincando. Isso é o que o senhor quis dizer, eu sei... E o que certamente diria se meu pai não estivesse aqui. Acho que é bem verdade, minha querida, de facto..., disse mr. Woodhouse com um suspiro. Temo que às vezes eu seja bastante caprichoso e impertinente. Meu querido pai! Não pode acreditar que eu estivesse me referindo ao senhor, ou imaginar que mr. Knightley se referisse ao senhor. Que ideia horrível! Não! Eu me referia a mim mesma. Mr. Knightley adora encontrar defeitos em mim, o senhor sabe... De brincadeira. É tudo brincadeira. Sempre dizemos o que pensamos um ao outro. Mr. Knightley, de facto, era uma das poucas pessoas que podia encontrar defeitos em Emma Woodhouse, e a única que sempre os apontava para ela. Embora isso não fosse particularmente agradável para Emma, seria muito pior para seu pai; ele jamais imaginaria que ela não fosse perfeita para todos. Emma sabe que nunca a lisonjeio, disse mr. Knightley, mas não estendo isso aos outros. Miss Taylor estava acostumada a ter duas pessoas para agradar, agora só terá uma. As chances são de que ela saia ganhando. Bem, disse Emma, desejando mudar de assunto, o senhor queria ouvir sobre o casamento e ficarei feliz de lhe contar, pois todos nos comportamos de forma encantadora. Todas as pessoas foram pontuais, todas vestindo os seus melhores trajes, nem uma lágrima, e apenas uma ou outra cara triste. Ah, não! Todos sabemos que estamos a apenas oitocentos metros de distância, e certos de que vamos-nos ver todos os dias. A minha querida Emma suporta tudo tão bem, disse o pai. Mas saiba, mr. Knightley, que ela está de facto muito pesarosa de perder a pobre miss Taylor, e tenho certeza que vai sentir a falta dela mais do que imagina. Emma virou o rosto, dividida entre lágrimas e sorrisos. É impossível que Emma não sinta a falta de tal companheira, disse Mr. Knightley.
Não gostaríamos tanto dela como gostamos se isso fosse possível, senhor. Mas ela sabe quanto o casamento é vantajoso para miss Taylor, sabe que é perfeitamente aceitável que, a esta altura da vida, miss Taylor tenha a sua própria casa, e o quanto é importante a garantia de uma vida confortável com o marido. Portanto, só pode permitir-se sentir alegria por ela e não tristeza. Todos os amigos de miss Taylor devem estar felizes de vê-la tão bem casada. E o senhor esqueceu-se de outro motivo de alegria para mim, disse Emma, e muito importante: eu mesma planeei o casamento. Comecei a planeá-lo, o senhor sabe, há quatro anos. E conseguir que essa união acontecesse, provando que eu estava certa, quando todos diziam que mr. Weston jamais se casaria de novo, me consola de qualquer coisa. Mr. Knightley sacudiu a cabeça. O seu pai replicou afectuosamente: bem, minha querida, gostaria que não fizesse mais casamentos nem prognósticos, pois tudo que a menina diz sempre acaba por acontecer. Por favor, não faça mais casamento algum. Prometo não fazer nenhum para mim mesma, pai, mas devo fazer para os outros, de verdade. É a coisa mais divertida do mundo. E depois deste sucesso, então! Todos diziam que mr. Weston nunca mais se casaria. Ah, não! Estava viúvo há tanto tempo e parecia perfeitamente bem sem uma esposa, sempre ocupado com os seus negócios na cidade, ou aqui entre seus amigos, sempre benquisto em todos os lugares, sempre alegre... Mr. Weston não precisaria passar mais uma noite sequer sozinho se não gostasse disso. Ah, não! Mr. Weston com certeza jamais voltaria a se casar». In Jane Austen, Emma, 1815/1816, Relógio de Água, 2016, ISBN 978-989-641-622-5.

Cortesia de RdeÁgua/JDACT