domingo, 12 de março de 2017

Emma. Jane Austen. «Entre as duas havia uma intimidade como a de irmãs. Mesmo antes de miss Taylor deixar de manter o cargo nominal de governanta, a doçura de seu carácter…»

jdact e wikipedia

«Emma Woodhouse, bonita, inteligente e rica, com uma casa confortável e disposição alegre, parecia reunir algumas das maiores bênçãos da existência; e vivera quase vinte e um anos no mundo com muito pouco a lhe causar angústia ou irritação. Era a mais jovem das duas filhas do mais afectuoso e indulgente dos pais e, devido ao casamento da irmã, tornara-se a senhora da casa desde muito jovem. Sua mãe morrera há tanto tempo que ela não tinha mais que uma vaga lembrança dos seus carinhos, e o seu lugar fora ocupado pela governanta, uma excelente mulher que lhe dedicara quase o mesmo afecto da mãe. Miss Taylor passara dezasseis anos com a família de mr. Woodhouse, mais como amiga do que como governanta, muito afeiçoada às duas filhas, mas particularmente à Emma. Entre as duas havia uma intimidade como a de irmãs. Mesmo antes de miss Taylor deixar de manter o cargo nominal de governanta, a doçura de seu carácter quase a impedia de impor alguma disciplina; e depois que a sombra de autoridade já há muito se desfizera, elas viviam juntas como amigas muito afeiçoadas, com Emma fazendo só o que queria; levava em alta consideração o julgamento de miss Taylor, mas guiava-se apenas pelo seu próprio. Os verdadeiros males da situação de Emma eram, na verdade, o poder de ter as coisas feitas a seu modo e uma disposição para pensar um pouco bem demais de si mesma; estas eram as desvantagens que ameaçavam limitar seus muitos divertimentos. O perigo, entretanto, passava tão despercebido no momento, que elas não o consideravam, de modo algum, como um infortúnio para a jovem. A tristeza chegou, uma tristeza suave, mas não na forma de uma desagradável conscientização. Miss Taylor casou-se. A perda de miss Taylor foi a primeira tristeza da sua existência. Foi no dia do casamento dessa amiga querida que Emma primeiro pensou, com pesar, na continuidade da vida. Após a cerimónia, quando os convidados já se tinham retirado, ela e o pai foram deixados para que jantassem sozinhos, sem a perspectiva da chegada de uma terceira pessoa para alegrar uma noite tão longa. Seu pai preparou-se para dormir após o jantar, como sempre, e ela então sentou-se e começou a pensar no que perdera.
O evento prometia toda a felicidade para a sua amiga. Mr. Weston era um homem de carácter excepcional, fortuna razoável, idade adequada e maneiras agradáveis; e ela sentia certa satisfação em considerar com que abnegação e generosa amizade ela mesma havia desejado e promovido a união. Mas o dia seguinte foi de duro trabalho para Emma. Sentiria a falta de miss Taylor todas as horas de todos os dias. Lembrou da sua bondade no passado, a bondade e a afeição de dezasseis anos, como a havia ensinado e brincado com ela desde os seus cinco anos; como havia devotado todos os seus sentidos em entretê-la e diverti-la na saúde, e como velara por ela durante as várias doenças da infância. Tinha um grande débito de gratidão. Mas os últimos sete anos eram ainda uma preciosa e terna recordação, dado o grau de intimidade e a perfeita confiança que se seguiram ao casamento de sua irmã Isabella, quando ficaram as duas sozinhas. Tinha sido uma amiga e companheira como poucos possuíam: inteligente, bem informada, prestativa, gentil, conhecendo tudo sobre a família, interessada em todas as suas preocupações, e especialmente interessada por ela, por cada uma das suas alegrias, por qualquer coisa que lhe dissesse respeito. Era alguém com quem podia falar de qualquer pensamento que tivesse, e que lhe dedicava uma afeição tão profunda que jamais poderia terminar.
Como ela suportaria a mudança? Era verdade que sua amiga passaria a viver a apenas oitocentos metros dali; mas Emma tinha consciência de que havia uma grande diferença entre uma mrs. Weston, a apenas oitocentos metros dali, e uma miss Taylor dentro da casa; e com todas as suas vantagens, naturais e domésticas, estava agora em grande risco de sofrer de solidão intelectual. Amava ternamente o pai, mas ele não podia ser considerado um companheiro. Sua conversa não se comparava com a dela, fosse o assunto sério ou de brincadeira. A disparidade de idade entre ela e o pai (e mr. Woodhouse não se casara cedo) fora muito aumentada pela constituição física dele e por seus hábitos; tendo sido um doente toda a sua vida, sem actividade física ou mental, era muito mais velho fisicamente do que de idade, e ainda que todos o estimassem pela afabilidade de seu coração e pelo seu temperamento amigável, não possuía nenhum talento que o recomendasse. Sua irmã, ainda que comparativamente pouco afastada dela pelo casamento, vivendo em Londres, a apenas 25 quilómetros, estava muito distante para uma visita diária, e muitas longas noites se passariam em Hartfield em Outubro e Novembro, até que o Natal trouxesse a visita de Isabella, seu marido e as crianças, para encher a casa e proporcionar-lhe de novo uma agradável companhia». In Jane Austen, Emma, 1815/1816, Relógio de Água, 2016, ISBN 978-989-641-622-5.

Cortesia de RdeÁgua/JDACT