domingo, 8 de janeiro de 2017

Santarém Medieval. Maria Ângela Beirante. «A Porta do Sol sabe-se bem qual é: exactamente aquela que abre para o sueste a pique sobre o Tejo, e que deu o nome ao jardim que serve de miradoiro à cidade»

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O perímetro amuralhado
«(…) Neste ponto ocorre o problema das muralhas de Santarém e das respectivas portas. Tal problema, sendo premente para o século XII, continua insolúvel para os séculos imediatos, pelo menos em certos aspectos. Já no século X, escreve o cronista mouro Ahmed Arrazi: e o castelo de Santarém jaz em um monte mui grande e mui alto e mui forte e não há lugar por onde o possam combater senão a mui grande perigo. O geógrafo árabe Edrisi afirma, nos princípios do século XII: Santarém é uma vila erguida num monte muito alto, ao sul do qual há um grande precipício. Não tem muralhas, mas no sopé da montanha está um arrabalde erguido na margem do rio (há discordância quanto à localização do precipício; Edrisi coloca-o a sul; o códex 207 de Alcobaça situa-o a leste, chamando-lhe alhafa, lugar de mrdo para os árabes, que para lá atiravam os seus condenados). O primeiro fala só do castelo: o segundo, apenas da vila sem muralhas: cada um olhou, certamente. para aspectos diferentes do mesmo conjunto urbano. Já na História de Portugal, Herculano debatera a questão, ao comparar Santarém com Lisboa: menos defendida que Lisboa pela arte, era-o mais pela natureza; porque, embora não estivesse cingida de muros, como essoutra povoação., e os seus habitantes vivessem em grande parte num arrabalde à borda do rio, o castelo que lhe servia de coroa, edificado no cimo da montanha em que estava assentada era como um ninho de águias pendurado sobre o Tejo. Em nota a esta afirmação o autor opina que tal descrição é o único meio de conciliar a afirmativa de Edrisi de que Santarém não era rodeada de muralhas com todas as memórias coevas que encareciam a fortaleza daquele castelo. Os poucos documentos de que dispomos para o século XII são omissos na toponímia urbana e, por isso, não nos é possível definir o delineamento das muralhas nessa época, Os testemunhos dos séculos posteriores, a contar do século seguinte, nomeiam expressamente apenas duas portas no castelo: a do Sol e a da Alcáçova. Esta última teria uma ponte de que alguns documentos do século XV nos dão conta e cuja memória o padre António Carvalho Costa ainda transmite.
A Porta do Sol sabe-se bem qual é: exactamente aquela que abre para o sueste a pique sobre o Tejo, e que deu o nome ao jardim que serve de miradoiro à cidade. Quanto à localização da Porta da Alcáçova duas hipóteses são admissíveis: ou se trata da Porta de Santiago sobranceira ao buraco de Salinas (a porta de Santiago tomou este nome porque a calçada que dela se dirige ao arrabalde sito no sopé do monte passava pela igreja de Santiago, situada a meia encosta e cujas ruínas desapareceram no século passadp), ou se trata de uma outra porta aberta para a vila, a ocidente daquela. Se aceitarmos que a Porta de Santiago era, de facto, a da Alcáçova (e não apenas um portigo entre outros), teremos de admitir que houve nas suas imediações uma alteração de natureza geológica, alteração, aliás, plausível, dada a natureza e a forma do terreno que tem proporcionado frequentes esbarreiramentos, alguns mesmo nos nossos dias, que cortou a comunicação com a vila, deixando-a somente em ligação com a Ribeira. Esta ideia parece esboçá-la Zeferino Brandão, ao afirmar que se cortou a comunicação entre a vila e a Porta de Santiago, em virtude do desabamento da barreira por onde passava o caminho. O autor não nos diz em que fonte se baseia nem precisa em que época tal aconteceu (entre os manuscritos da Biblioteca Camões que se encontram na B. M. S. encontra-se um auto de vestoria do ano de 1797 que documenta que o caminho antigo que fazia o trânsito da Alcáçova para a vila estava invadiável. Declaram três mestres pedreiros que, em lugar deste, se fizera outro cortando-se uma barreira aonde em outro tempo foram olarias por cuja razão hé tão solta a terra que todos os dias está esbarrando para a mesma estrada de forma que sendo limpa há oito dias pouco mais ou menos já quando eles foram acharão na estrada perto de duas carradas de pedra e entulho acharão que hum Muro que está sobranceiro a mesma Estrada tem o alicerce roubado por cuja razão e pela altura em que se acha eminente a estrada amiaça ruina e deste mesmo Muro e do seu alicerce hé que emanã as pedras que continuo estão cahindo na estrada...) Ao invés, se admitirmos que a porta da Alcáçova ficava a oeste da de Santiago (o que não exclui o tal desabamento), ficamos com certas dúvidas quanto ao atrevintento do rei que, desta forma, se teria exposto a um ataque dos moradores da zona de Alplan». In Maria Ângela V. Rocha Beirante, Santarém Medieval, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (35813), 1ª edição em Português, Dezembro de 1980.

Cortesia da UNL/FCSH/JDACT