sábado, 14 de janeiro de 2017

Lady Susan Jane Austen. «Mas já havia resolvido ser discreta. Recorde-se que só fazia quatro meses que tinha enviuvado e me mantive quieta o máximo possível»

Cortesia de wikipedia e jdact

Lady Susan Vernon ao Sr. Vernon Langford
«Querido cunhado. Já não posso seguir-me privando do prazer de aproveitar o amável convite que me fizeste quando nos despedimos da última vez, para passar algumas semanas contigo, em Churchill; portanto, se a vós e à Sra. Vernon não resultar inoportuno me receber neste momento, espero que dentro de uns dias possa apresentar-me a essa irmã que, há tanto tempo, desejo conhecer. Os bons amigos que tenho aqui me suplicam com o maior carinho, que prolongue minha estada com eles, mas seu carácter hospitaleiro e festivo os faz levar uma vida social muito animada para a situação que atravesso e meu actual estado mental. Espero com impaciência o momento em que serei admitida em seu agradável retiro. Desejo que suas adoráveis crianças me conheçam e me esforçarei por despertar grande interesse em seus corações. Necessitarei toda minha fortaleza de ânimo, posto que em breve me separarei de minha filha. A longa enfermidade de seu querido pai impediu-me de dar-lhe a atenção, que o dever e o carinho ditavam, e tenho muitas razões para temer que a governanta a quem encomendei sua educação será incapaz de fazê-lo. Assim decidi enviá-la a um dos melhores colégios privados da cidade. Terei a oportunidade de acompanhá-la quando for a sua casa. Estou decidida, como vê, a não permitir que me negue a entrada em Churchil, Seria muito doloroso saber que não lhe seria possível me receber. Sua muito grata e afectuosa irmã,
S. Vernon»

Lady Susan à Sra. Johnson Langford
«Minha querida Alicia. Estavas muito equivocada ao acreditar que não iria mover-me daqui, durante todo o Inverno, e me dói muito dizer-lhe isso. Em poucas ocasiões passei três meses tão agradáveis como estes. No momento nada vai bem. As mulheres da família se uniram contra mim. Adivinhaste o que ocorreria quando chegasse a Langford. Manwaring é tão encantador que me senti apreensiva. Lembrei-me que, quando me aproximei da mansão, pensei comigo: eu gosto deste homem; rogo a Deus que isso não cause nenhum mal! Mas já havia resolvido ser discreta. Recorde-se que só fazia quatro meses que tinha enviuvado e me mantive quieta o máximo possível. Assim o tenho feito, minha querida. Não aceitei as atenções de ninguém mais, excepto as de Manwaring. Evitei qualquer namoro e não fiz distinção a qualquer que se aproximasse, com excepção a sir James Martin, a quem dispensei um pouco de atenção, para separá-lo de Miss Manwaring. Entretanto, se o mundo soubesse quais eram minhas motivações, seria elogiada por isso. Chamaram-me mãe desnaturada e, não obstante, o impulso sagrado do carinho maternal e o bem de minha filha foram o que me serviu de incentivo; se minha filha não fosse a maior simplória da Terra, ter-me-ia recompensado pelos meus esforços como merecia. Sir James me fez proposições para a Frederica, mas esta, que nasceu para atormentar a minha vida, decidiu opôr-se com tanta veemência ao acerto que decidi que era melhor esquecer o plano no momento. Em mais de uma ocasião me arrependi de não ter casado eu mesma com ele e, se fosse um pouco menos débil, asseguro-lhe que o faria. Admito que sou bem romântica nesse aspecto e que as riquezas por si só não me satisfazem. O resultado de tudo isto é que sir James partiu, Maria está enfurecida e a sra. Manwaring mostra-se insuportavelmente ciumenta. Está tão ciumenta e indignada comigo que, num arrebatamento de fúria, não me surpreenderia que recorresse ao seu guardião, se pudesse falar a ele livremente. Seu marido, entretanto, segue sendo meu amigo, e a acção mais gentil e bondosa de sua vida seria liberá-la para sempre do matrimónio. Meu único cuidado é que mantenha seu ressentimento. Agora, estamos muito aflitos. A casa nunca tinha visto tanta alteração: toda a família está em pé de guerra e Manwaring mal ousa falar comigo. Chegou o momento em que devo partir. Decidi, portanto, deixar-lhe e passarei, espero, um dia agradável contigo, na cidade, ainda esta semana. Caso o senhor Johnson continue demonstrando tão pouca simpatia para comigo, como sempre, venha ver-me à Rua Wigmore, número 10, embora espero que este não seja o caso, posto que o senhor Johnson, mesmo com todos os seus defeitos, é um homem ao que sempre se pode aplicar essa grande palavra que é respeitável; além disso, sendo conhecida a amizade que tenho com sua esposa, seu desprezo para comigo pareceria estranho. Passarei pela cidade a caminho desse insuportável lugar, essa aldeia campestre, pois finalmente dirijo-me para Churchill. Perdoe-me, minha querida amiga, mas este é meu último recurso. Se houvesse na Inglaterra outra casa aberta para mim, a preferiria. Tenho aversão por Charles Vernon e temo a sua mulher. No entanto, permanecerei em Churchill, até que haja algo melhor em perspectiva. Minha filha acompanhar-me-à até à cidade, onde a deixarei aos cuidados da senhora Summers, na rua Wigmore, até que esteja um pouco mais razoável. Ali poderá fazer bons contactos, já que todas as garotas provêm das melhores famílias. O preço é muito alto, muito mais do que posso me permitir pagar. Adieu, enviarei uma linha assim que chegar à cidade. Sempre sua, S. Vernon» In Jane Austen, Lady Susan, 1805, 1871, Relógio D’ Água, 2014, ISBN 978-989-641-462-7.

Cortesia de RD’Água/JDACT