domingo, 1 de janeiro de 2017

Deslumbrante. Madeline Hunter. «As jovens de respeito não pegavam carruagens públicas sozinhas para se dirigirem a estalagens vulgares e ficarem à espera de desconhecidos em quartos escuros»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A saudação, tão próxima do seu ouvido, arrancou-o da inspecção da sala. Grayson, conde de Hawkeswell, estava ao seu lado, radiante, com um copo de vinho quente quase vazio. Um sorriso deliciado iluminava o rosto de olhos azuis e a cabeleira preta de corte exímio. A uns oito quilômetros de distância fui atingido por um pé d’água, explicou Sebastian. Hawkeswell era um velho amigo, um grande companheiro dos dias de farra. Normalmente Sebastian ficaria encantado por poder contar com a sua companhia para passar uma noite que prometia ser miserável. Mas o motivo que o levara lá tornava inconveniente o seu encontro com Hawkeswell. Está a caminho de Londres ou de regresso? Estou de regresso. Fui me encontrar com um agente imobiliário em Brighton esta manhã. Colocou a propriedade à venda, então? Não tenho escolha. Sebastian manifestou o seu pesar. As finanças de Hawkeswell iam mal desde que herdara o título, e já se desfizera da maior parte das propriedades de alienação consentida. A tentativa de rectificar o problema através do casamento correra lamentavelmente mal, pois a noiva rica desaparecera no dia do casamento. Hawkeswell examinou-o. Sem bagagem? Espero que não a tenha deixado no cavalo. Se tiver alguma coisa de valor, amanhã de manhã já não estará lá. Sebastian reagiu com uma gargalhada moderada e desprendida. Não tinha bagagem porque planejava voltar a cavalo naquela mesma noite, apesar do mau tempo e da escuridão. Você tem um quarto lá em cima? A bagagem está lá? Pedi que me arranjassem um, mas o estalajadeiro já os tinha alugado todos, diz ele. Nem sequer o título me serviu de alguma coisa. Mas se tiveres quarto podemos fumar e beber lá e escapar a este fedor.
Não tenho quarto nenhum, lamento. As sobrancelhas de Hawkeswell se arquearam sobre os olhos astutos. Não está aqui exactamente para se abrigar, não é? Nem está a caminho de Brighton, aposto. Está aqui para se encontrar com uma mulher. Não, não fale nada. Eu compreendo a necessidade desses esquemas elaborados nestes dias. Você agora é quase um marquês, certo? Não pode ficar levantando saias quando e sempre que quiser. Colocou o dedo sobre os lábios, zombando da necessidade de discrição. Era uma explicação tão boa como qualquer outra, por isso Sebastian não a contestou. Sempre receptivo e atento, terminou de inspeccionar a profusão de rostos. Não havia nenhum que se destacasse como possível Dominó. Aparentemente, Hawkeswell ficaria com ele a noite toda. Sentindo necessidade de se livrar dele, Sebastian decidiu utilizar a teoria do próprio para conseguir. Com sua licença, por favor. Preciso falar com o estalajadeiro sobre a pessoa com quem vim me encontrar. Conseguiu libertar-se. Encontrou o estalajadeiro, que servia cerveja a um sujeito de chapéu marrom enterrado na cabeça. – Chegou alguém aqui perguntando por Mr. Kelmsley ou falando o nome dele? O estalajadeiro olhou para ele e depois concentrou-se em receber o dinheiro do freguês. Em cima, ao fundo, última porta. O hóspede que procura está lá, não me pergunte por quê.
Sebastian dirigiu-se para as escadas. Tomara que Hawkeswell estivesse certo. Aguardar que o tempo melhorasse deitado numa cama de penas, seco e confortável, com o calor de um corpo feminino nos braços, seria uma recompensa agradável pela viagem miserável até aquele lugar e àquela que o esperava no fim da missão. Em vez disso, estava preso ao dever e à obrigação, e a uma longa conversa com alguém que era conhecido como Dominó. Audrianna se encolhia debaixo do xaile, nas sombras. O fogo débil não conseguia anular o frio húmido do quarto. Aquela não era, no entanto, a única razão pela qual tremia. A vigília enfraquecia a determinação que ganhara ao ler novamente o anúncio. Começara a ver seu plano por uma perspectiva diferente, a da vida que tivera até aqueles últimos sete meses. Desse ponto de vista, o seu comportamento daquele dia era completamente louco e de uma imprudência sem justificativa. Certamente, teriam sido as palavras da mãe. O pai teria concordado. Roger também teria ficado chocado se soubesse. As jovens de respeito não pegavam carruagens públicas sozinhas para se dirigirem a estalagens vulgares e ficarem à espera de desconhecidos em quartos escuros. A expedição começava a parecer um sonho bizarro. Obrigou-se a se acalmar e exigiu que a sua mente recuperasse alguma determinação. Estava ali porque mais ninguém estaria. O mundo havia enterrado o bom nome do pai juntamente com o seu corpo. A sua morte fora prova suficiente de que era culpado das acusações que se levantaram. Todos presumiram que tinha sido o remorso, e não uma melancolia profunda, que o tinha levado a se matar. A família inteira ainda estava marcada pela vergonha. A mãe chorava a perda dos amigos sem deixar de defender a sua memória com valentia. Até o tio Rupert deixara de escrever quando o escândalo se espalhara, na tentativa de se livrar de máculas por associação. E Roger, bem, o seu amor eterno também não bastou para vencer o escândalo». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT