domingo, 22 de janeiro de 2017

A Filha do Conspirador. Philippa Gregory. «A minha irmã Isabel lança-me um olhar carrancudo. Estáveis ali parada a olhar como uma idiota, sussurra-me. Embaraçastes-nos a todas»

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Torre de Londres. 1465
«A senhora minha mãe, uma grande herdeira de pleno direito e a esposa do mais importante súbdito do reino, é a primeira a entrar. Atrás dela vai Isabel, visto ser a mais velha. A seguir sou eu; vou no fim, vou sempre no fim. Não consigo ver grande coisa quando entramos na grande sala do trono da Torre de Londres. A minha mãe conduz a minha irmã até diante do trono, para ela fazer uma vénia, e depois afasta-se para o lado. Isabel desce o corpo quase até ao chão, tal como fomos ensinadas, porque um rei é um rei, ainda que se trate de um homem novo colocado no trono pelo meu pai. A esposa dele vai ser coroada rainha, não importa o que pensemos dela. Avanço para fazer também uma vénia e é então que consigo ver bem pela primeira vez a mulher que viemos honrar com a nossa presença na corte. É uma mulher deslumbrante, a mais bela que já vi em toda a minha vida. Compreendo de imediato por que razão o rei mandou parar o seu exército ao vê-la pela primeira vez e a desposou poucas semanas depois. O sorriso dela abre-se devagar e depois resplandece, como se fosse o sorriso de um anjo. Já vi estátuas que pareceriam reles ao lado desta mulher e também já vi representações da Virgem Maria cujas feições teriam um ar vulgar em comparação com a sua graciosidade pálida e luminosa. Ergo-me, concluindo a vénia. e fico parada a fitá-la como se ela fosse um ícone de extremo primor; não consigo desviar o olhar. Sob o meu exame minucioso, ela acaba por corar; depois sorri-me e eu não consigo evitar abrir um sorriso radiante em resposta. Isso fá-la rir, como se achasse divertida esta minha adoração descarada, e então eu reparo na olhadela furiosa que a minha mãe me lança e vou rapidamente pôr-me a seu lado.
A minha irmã Isabel lança-me um olhar carrancudo. Estáveis ali parada a olhar como uma idiota, sussurra-me. Embaraçastes-nos a todas. O que diria o pai? O rei avança até nós e beija afectuosamente a minha mãe nas duas faces. Já tivestes notícias do meu estimado amigo, o vosso senhor?, pergunta-lhe. Está a trabalhar diligentemente ao vosso serviço, responde ela com prontidão. O nosso pai não vai estar presente no banquete desta noite ou nas outras celebrações, visto ter-se ido encontrar com o rei da França em pessoa e com o duque da Borgonha; vai reunir-se de igual para igual com estes poderosos homens da Cristandade, para fazer as pazes com eles agora que o rei adormecido foi derrotado e que somos nós os novos governantes da Inglaterra. O meu pai é um homem muito importante; é ele quem representa este novo rei e toda a Inglaterra. O rei, o novo rei, o nosso rei, cumprimenta Isabel com uma vénia na brincadeira e depois afaga-me o rosto. Conhece-nos desde que as duas éramos ainda muito pequenas para virmos a banquetes como este e ele próprio era um rapaz à guarda do meu pai. Entretanto. a minha mãe pôs-se a olhar em volta como se estivesse na nossa casa, no castelo de Calais, a avaliar o serviço dos criados. Sei que ela está ansiosa por ver alguma coisa que possa depois descrever ao meu pai como prova de que esta rainha muito bela não está à altura da posição que ocupa. Mas, pela irritação no seu rosto, percebo que não conseguiu encontrar nada.
Ninguém gosta desta rainha; eu não deveria admirá-la. Não deveria importar-nos que ela sorria calorosamente a mim e a Isabel, ou que depois se erga do seu cadeirão e avance para vir apertar as mãos da minha mãe nas suas. Estamos as três determinadas a não gostar dela. O meu pai tinha um bom casamento já planeado para este rei, uma esplêndida união com uma princesa francesa. O meu pai esforçou-se por isso, preparou o terreno, redigiu o contrato nupcial e convenceu aqueles que odeiam os Franceses de que tal união seria benéfica para o país, protegeria Calais e talvez até nos devolvesse Bordéus, mas então Eduardo, o novo rei, este novo rei bonito de nos cortar a respiração e tão sedutor, o nosso querido Eduardo, que era como um irmão mais novo para o meu pai e como um tio adorado para mim e para a minha irmã, declarou, tão simplesmente como se estivesse a pedir o jantar, que já era casado e que nada poderia ser feito a tal respeito. Que já era casado...? Sim, e com ela». In Philippa Gregory, A Filha do Conspirador, 2012, Civilização Editora, Porto, 2013, ISBN 978-972-263-519-6.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT