sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Os Jerónimos em Portugal. Cândido Augusto Santos. «Mas parece que a simpatia dos humanistas pela figura do escritor, simpatia que leva Erasmo a proclamar que S. Jerónimo deve ser preferido a todos os padres gregos e latinos»

jdact e wikipedia

Das origens aos fins do século XVII
«O fenómeno eremítico é muito antigo na Igreja de Cristo. Assinalável desde os primeiros séculos do cristianismo, conheceu, ao longo do tempo, alguns períodos de mais intenso fervor. Na Itália do século XIV, enquanto a Igreja, ao mais alto nível hierárquico, se debatia com problemas de extrema gravidade, o número dos solitários não cessava de aumentar, a tal ponto que o eremita se tornou o herói da época. .É agora seu ideal e fonte de inspiração a figura de S. Jerónimo no deserto de Calcis, na Síria do Norte. Sob o seu patrocínio florescem várias famílias religiosas como os Jesuatos ou Ordem hospitaleira dos clérigos apostólicos de S. Jerónimo, fundada por João Colombini, em 1335; os frades eremitas de S. Jerónimo fundados por Pedro Gambacorta; de Pisa, que erigiram o primeiro mosteiro em 1380, em Montebello, perto de Urbino, e a Congregação dos eremitas de S. Jerónimo fundada em 1360 por Carlos de Montegranelli, em Fiesole. Com estes núcleos de eremitas vão fundir-se outras pequenas comunidades: assim, os grupos dirigidos por Beltrano de Ferrara, Nicolau de Forca Palena e de Angelo Córsega juntam-se à família de Gambacorta; em 1406, o eremitério fundado em Siena por Gualtero Marso une-se ã Congregação dos eremitas de S. Jerónimo. Mais tarde, no século XV, surge a Congregação da Lombardia, de origem espanhola, resultante de uma cisão da ordem dos Jerónimos em Espanha, provocada pelo segundo Geral, Lope Olmedo (foi eleito, em 1418, segundo Geral da Ordem de S. Jerónimo em Espanha; professo de Guadalupe, foi condiscípulo do futuro papa Martinho V, em Perugia; em 1415 toma parte, como procurador do seu mosteiro, no primeiro capítulo geral; à frente da Ordem em 1418, reflectindo sobre o facto que considerou anómalo de os monges de S. Jerónimo seguirem a Regra de Santo Agostinho dispõe-se a elaborar uma Regra composta de extractos das obras de S. Jerónimo; a sua iniciativa não foi aceite pelos monges; todavia, influente junto do pontífice, consegue deste, em 1424, uma bula que o autoriza a fundar uma nova congregação, dita da observância; em 1428 a sua regra é aprovada; tenta reunir os dois ramos dos hieronimitas, mas em vão; o pontífice permitiu-lhe ainda, em 1428,que passassem a nova observância os monges que o quisessem fazer; contra a orientação de Olmedo reagiram os monges primitivos que conseguiram do papa lhes conservasse as normas primitivas; o ramo fundado por Lope Olmedo veio a ser conhecido por Isidros do nome do mosteiro de Santo Isidoro del Campo de Santiponce; em 1567 os Isidros uniram-se aos Jerónimos por ordem de Filipe II)
Questão legítima e oportuna será agora a de saber qual a razão do despertar do interesse pela figura de S. Jerónimo eremita, no século XIV. É verdade que o santo exegeta nunca fora esquecido ao longo da Idade Média: Abelardo chama-lhe grande Doutor da Igreja, honra da profissão monástica; Vicente de Beauvais no De eruditione filiorum nobilium cita S. Jerónimo 148 vezes. Santo Agostinho 75 e Ovídio 60. Contudo, o outro lado desta personalidade rica e contrastante, o do penitente, o do esceta, surge nesta época de maneira súbita como ideal. Onde estará a razão desta descoberta? De imediato seríamos inclinados a pensar nos humanistas. Mas parece que a simpatia dos humanistas pela figura do escritor, simpatia que leva Erasmo a proclamar que S. Jerónimo deve ser preferido a todos os padres gregos e latinos, é um pouco tardio que a descoberta do penitente.
Sabemos, por outro lado, que atraiu também a atenção dos artistas que o representaram com o chapéu cardinalício, com um seixo para se ferir no peito, com um livro, com a trombeta do juízo final soando sobre a cabeça. Com excepção do livro, estas representações iconográficas, mesmo a do leão domesticado que lhe vem de S. Gerásimo, carecem de fundamento histórico e foram divulgadas pela Legenda áurea de Jacques de Voragine. Todavia, esta ligação súbita à figura do eremita resta por explicar; é anterior e parece-nos que deve ter tido outra origem. O bolandista Joannes Stiltingus explica o facto pela influência que teria exercido uma obra de larga difusão, escrita em 1346 por um célebre jurista de Bolonha, Giovanni del'Andrea. Nessa obra, intitulada Hieronymianus, del'Andrea propõe-se difundir o culto de S. Jerónimo pouco desenvolvido na Península Itálica, do que, aliás, censura os seus compatriotas». In Cândido Augusto Santos, Os Jerónimos em Portugal, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, Faculdade de Letras do Porto, Dissertação de doutoramento em História Moderna e Contemporânea, 1977.

Cortesia de INIC/FLPorto/JDACT