quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «… somos os pedreiros da humanidade. Temos, pois, deliberado chamar-nos Pedreiros Livres. Apoiado!, gritou quase unânime a assembleia, na qual a voz do príncipe de conde»

Cortesia de wikipedia

A assembleia dos templários
«(…) Sem dúvida, respondeu com certa altivez o presidente, e parece-me que todos os poderão aceitar, desde que não tem dúvida em o fazer o senhor de Beaumanoir, que é tão nobre como o rei de França! Oh!, não foi como censura ou queixa que eu disse isto, apressou-se a declarar o holandês. O que eu queria fazer sentir era que o nome da nossa antiga ordem, o sagrado nome do Templo, soaria mal aos ouvidos de um povo, que nos esqueceu, ou que só se lembra de nós pelas vis calúnias que os inimigos do Templo espalham contra nós. Por isso, entendo que na nova organização do Templo é necessário que mudemos de nome. Irmão, disse afectuosamente o senhor de Beaumanoir, o que propões já foi pensado pelos Sete Senhores, que acharam que isso era razoável e sensato. O antigo Templo desmoronou-se; mas nós trabalharemos para edificar outro, e sem dúvida o havemos de conseguir. A obra, que empreendemos, é uma obra de reedificação; somos os pedreiros da humanidade. Temos, pois, deliberado chamar-nos Pedreiros Livres. Apoiado!, gritou quase unânime a assembleia, na qual a voz do príncipe de conde ressoava não menos entusiástica do que a dos outros filiados. Então, disse Beaumanoir, erguendo-se, a assembleia aprova as deliberações dos Sete Senhores? Então sois unânimes em aprovar esta transformação, que deve por a nossa ordem a par dos maiores potentados da terra? Sim! Sim, gritaram muitíssimas vozes. Mas uma voz potente dominou aquele tumulto e proferiu estas palavras: oponho-me eu! Quem?, perguntaram ameaçadoramente alguns associados, mais excitados do que os outros. Eu, trovejou o peregrino, levantando-se majestoso impotente, apesar da miséria dos seus andrajos. Eu, um dos Sete Senhores! Eu, Inácio de Loiola! Um longo frémito de surpresa percorreu toda aquela multidão. Oito ou dez fidalgos, quase todos espanhóis, aproximaram-se de Loiola, prontos a defenderem-no fazendo dos seus corpos um escudo, se as disposições hostis da assembleia aumentassem. Mas Beaumanoir com um gesto restabeleceu o silêncio na sala. Depois, voltando-se para Inácio de Loiola, perguntou com brandura: irmão, então tu és partidário da consagração do estado actual? E és precisamente tu, o mais audaz e empreendedor de todos nós, aqueles que nós teríamos escolhido para chefe supremo se os nossos estatutos nos consentissem ter um chefe…, és tu precisamente que te opões aos nossos planos de reforma e sustenta as antigas ordens? Pelo contrário, disse Inácio de Loiola, eu desejo uma transformação muito mais vasta e completa do que a vossa; mas quero que ela se faça com outra inteligência, e segundo um plano já preparado e escrito por mim. E porque é que, segundo os nossos usos, não falaste dessas tuas intenções no Conselho dos Sete Senhores? Ter-te-íamos escutado com afecto de irmãos, e teríamos procurado satisfazer os teus justos desejos. Tinha a certeza de que havíeis de fazer-me oposição, e por isso resolvi dirigir-me directamente à assembleia. Estou no meu direito; pelo nosso estatuto os Sete Senhores são todos iguais entre si, e a preeminência concedida ao mais velho é de honra, mas não de autoridade.
Fala, então, disse Beaumanoir. Conhecemos os teus direitos e respeitá-lo-emos; mas lembra-te também dos teus deveres, Inácio de Loiola, porque senão… O peregrino respondeu com um gesto altivo àquelas ameaçadoras palavras. Fez-se um grande silêncio na assembleia; os espanhóis amigos de Loiola chegaram-se ainda mais para os Senhores para ouvirem e defenderem o seu amigo. Inácio de Loiola tirou de sob o hábito algumas cartas manuscritas, pôs-se em pé e começou: Irmãos! Bem sabeis qual a razão que me obrigou a abandonar o capítulo do Templo. Meu primo, António Manriquez, duque de Najare e grande de Espanha, tinha-me chamado para ir servir sob a sua bandeira. Os meus sete irmãos já me tinham precedido na carreira das armas, e eu, tinha completado os meus vinte anos, considerar-me-ia vil e desonrado se hesitasse um momento; por isso, corri a alistar-me no número dos defensores de Pamplona. Segundo as condições do tratado de Noyon, aquela fortaleza devia ser restituída à França; mas o nosso glorioso rei Carlos V, por ofensas que tinha recebido do rei de França, resolveu puni-lo conservando aquela praça. Foi-me confiado o comando da praça, quando em 1521 André Foix a atacou à frente das tropas francesas». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.

Cortesia de Wikipedia/JDACT