sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «… se consentirdes em transformar a nossa Ordem no sentido que vos peço, dentro de vinte anos, não é preciso mais, nós seremos os senhores do mundo! E teus escravos, não é assim?»

Cortesia de wikipedia

A assembleia dos templários
«(…) Pois bem, prosseguiu o peregrino, fazendo um grande forço, foi aí que me apareceram os anjos do Senhor e que ensinaram a maneira de guiar os homens e de os conduzir à fé obediência, ao caminho do céu. Os preceitos que eles me ensinaram, meus irmãos, escrevi-os, e tenho-os aqui, e Loiola mostrou folhas que tinha ao lado. Com estes Exercícios espirituais, escrevi enquanto os anjos mos ditavam, encontrei o modo de reduzir à submissão as almas mais rebeldes, e de fazer com que elas sejam nas mãos do seu director espiritual como um cadáver nas mãos do cirurgião. Estas palavras resumiam em si a terrível doutrina da Companhia de Jesus, que Inácio de Loiola devia fundar. Perinde ac cadáver, como um cadáver, tal é a forma de obediência imposta aos jesuítas. A atenção geral, que despertara a narrativa de Loiola, fizera com que todos se calassem; contudo, Francisco Burlamacchi, que havia já um pedaço se agitava com impaciência, levantou-se para interromper a piedosa narrativa de Inácio. Irmão, disse ele, essas tuas visões serão talvez enviadas pelo céu, tanto mais que muitas vezes tem permitido que anjos do inferno venham tentar os homens, especialmente os que mais presumem da própria santidade; mas eu só te peço que me diga que conclusões te inspirou essa tua devota solidão, com a qual há tanto tempo estás entretendo a ordem dos Templários. A palavra audaz e franca do jovem italiano parece que quebrou o encanto que fazia com que todos os presentes estivessem suspensos dos lábios de Loiola. Muitos dos que assistiam à reunião repetiram as palavras de Burlamacchi, observando que a ordem do Templo não fora convocada com tanta solenidade para ouvir os devaneios de um visionário. Inácio dirigiu a Burlamacchi um olhar carregado de indignação. Aquele homem, que dizia ter-se despojado, mediante o ascetismo, de todas as fraquezas humanas, conservava ainda duas paixões invencíveis, e que não são decerto o apanágio das almas fortes, a vaidade e o espírito de vingança.
Depressa chego à conclusão, irmãos, disse Loiola, depois de um curto silêncio. Sim; eu vim aqui com um propósito formado; é verdade que também eu desejo a transformação da nossa ordem, mas num sentido muito diverso do que propõe o nosso querido irmão Beaumanoir! Também eu, meus irmãos, tenho notado o tumulto de ideias e o espírito de rebelião, que agitam a Europa, e especialmente a Alemanha e a Itália, e vim aqui precisamente para vos dizer: Este espírito de rebelião devemos nós abatê-lo, em vez de o favorecer! A ordem dos Templários, exclamou Loiola, deve transformar-se, não na associação dos Pedreiros Livres, mas na Companhia de Jesus! Estas palavras produziram um tumulto espantoso. A maior parte dos cavaleiros, indignados com aquela proposta, vociferavam contra Inácio, levando a mão ao punho das espadas; outros, pelo contrário, e esses em menor número e quase todos espanhóis, sustentavam que se devia escutar o orador e discutir as suas propostas, porque nada continham por que assim devessem ser repelidas brutalmente. Parecia próximo o momento em que as duas facções viriam às mãos; mas naquele ponto ressoou sobranceira a todos os clamores a voz potente de Beaumanoir. Irmãos, bradou ele, Inácio de Loiola tem o direito de falar, como vós tendes o direito de combater as suas propostas. Silêncio!, e tu, Loiola, fala, com certeza de que ninguém se atreverá a interromper-te!...
O silêncio restabeleceu-se como por encanto, tal era a influência de veneração e respeito que sobre todos exercia o nome de Beaumanoir. Loiola vira desencadear-se e em seguida serenar o tumulto, se que nas suas faces pálidas e cor de terra se notasse a mais pequena alteração; apenas um pálido sorriso lhe errava nos delgados lábios. Dizia eu, pois, prosseguiu ele como se nada tivesse notado, dizia eu que considero como um dever opôrmo-nos ao desenvolvimento da heresia. Irmãos, qual é o fim da nossa Ordem, o restabelecimento do seu antigo poder, o seu domínio em todo o mundo. Ora, esse domínio será impossível, se quisermos exercê-lo entre os povos do norte, que se revoltam contra toda a autoridade. Se quisermos fundar um imenso poder oculto, devemos operar entre as nações católicas, e conservar nelas aquela fé invencível à que basta dizer: crê e obedece, para que desapareça toda a oposição. Unir-nos-emos em volta do sólido pontifício, como os pretorianos do antigo império, e defenderemos, alargaremos o poder do papa, que depois será o nosso poder, porque o chefe da Igreja ser sem dar por isso, o nosso prisioneiro. Ensinaremos aos povos que eles devem obedecer com submissão e medo aos seus soberanos, e prestaremos aos reis este apoio obrigando-os a governar segundo a vontade e os fins da nossa Companhia. Por meio dos colégios dominaremos a mocidade, por meio dos confessionários dominaremos as consciências; os penitentes, aterrados pelo rigor fanático dos Dominicanos e dos Franciscanos, acorrerão ao nosso tribunal de penitência, onde a moral será suave, perdão fácil, e o juiz indulgente. Irmãos, escutai-me: por este modo, se consentirdes em transformar a nossa Ordem no sentido que vos peço, dentro de vinte anos, não é preciso mais, nós seremos os senhores do mundo! E teus escravos, não é assim?, perguntou em tom desdenhoso Burlamacchi». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.

Cortesia de Wikipedia/JDACT