domingo, 11 de setembro de 2016

História de Portugal. Oliveira Martins. «Que valor merece a inovação? Nenhum; e por vários motivos: Tudo falta: a conveniência de limites territoriais, a identidade da raça…»

jdact e wikipedia

«(…) Pesada esta consideração, que não podemos agora desenvolver de um modo cabal, ver-se-á como na história de uma civilização os caracteres particulares das acções dos homens, fundindo-se no sistema geral de princípios e leis que os determinam, perdem individualidade, e não valem senão como elementos componentes de um todo superior: que sejam humanamente bons ou maus, importa nada, porque só nos cumpre atender ao destino que os determina, e a moral é um critério incompetente para a esfera ou categoria colectiva de que se trata. Na esfera dos movimentos de instituições e ideias na categoria da vida social, as acções dos homens são sempre absolutamente excelentes; porque a supremacia da sociedade sobre o indivíduo consiste no facto da existência de uma consciência superior da Ideia, no organismo que se diz sociedade. Os poetas épicos, seres privilegiados cuja voz não é própria, senão colectiva, são os órgãos vivos da consciência de uma civilização; assim Camões sente e exprime a grandeza histórica do império das Índias, que na própria opinião particular do poeta são uma Babilónia, um poço de ignomínias. Esclarecido este lado do problema, embora de um modo incompleto e rápido, resta-nos dizer que na segunda metade da história, na que trata dos indivíduos e dos episódios, na que pinta os costumes e os pensamentos, o critério é outro: por isso afirmámos que a história é uma lição moral. Nos vícios e nas virtudes, nos erros e nos acertos, na perversidade e na nobreza dos indivíduos que foram, há um exemplo excelente. Na sabedoria ou na loucura dos actos políticos e administrativos passados há um meio de prevenir e encaminhar a direcção dos actos futuros. A história é, nesse sentido, a grande mestra da vida. Se os vícios, os erros, o crime e a loucura predominam, iremos por isso condenar a história por perniciosa? Não, decerto. Apresentar crua e realmente a verdade é o melhor modo de educar, se reconhecemos no homem uma fibra íntima de aspirações ideais e justas, sempre viva, embora mais ou menos obliterada. Conhecer-se a si próprio foi, desde a mais remota Antiguidade, a principal condição da virtude.

Discrição de Portugal
Os Lusitanos
O povo desde o qual os historiadores têm tecido a genealogia portuguesa está achado: é o dos lusitanos. Na opinião desses escritores, através de todas as fases políticas e sociais da Espanha durante mais de três mil anos, aquela raça de celtas soube sempre, como Anteu, erguer-se viva e forte; reproduzir-se, imortal na sua essência; e nós os portugueses do século XIX temos a honra de ser os seus legítimos herdeiros e representantes. Com esta ironia encoberta mas grave, fustigava Alexandre Herculano os seus predecessores, historiógrafos nacionais, e, segurando com valor a férula magistral, castigava o povo culpado de acreditar numa tradição que tem para o erudito, além de outros defeitos, o de ser recente. Só desde o fim do XV século o nome de lusitani começa a substituir o de portucalenses, nos livros; mas essa inovação, perpetuando-se entre os eruditos, torna-se por fim uma crença nacional e quase popular. Que valor merece a inovação? Nenhum; e por vários motivos: Tudo falta: a conveniência de limites territoriais, a identidade da raça, a filiação da língua, para estabelecermos uma transição natural entre os povos bárbaros e nós. Ora estes argumentos, decisivos para o sábio historiador, não nos parece a nós, perdoe-se-nos o atrevimento, que o sejam. Outro tanto sucede com todas as nações ou quase todas, desde que procuramos estabelecer a árvore genealógica, indo aos arcanos de um passado ignoto reconhecer a fisionomia dos mortos de muitos séculos e determinar de entre eles os primeiros avós de uma nação. Seria absurdo exigir conveniência de limites territoriais, ou por outra, identidade de fronteiras, entre a localização de uma tribo primitiva, e a de uma nação moderna nem aos povos que hoje mais indiscutivelmente representam, pura, uma raça, poderia fazer-se tal exigência. Se há ou não identidade de raça, é exactamente o problema que deveria agitar-se; e, sem isso, negá-lo é proceder dogmática e não cientificamente». In J. Oliveira Martins, História de Portugal, 1879, Edições Vercial, Guimarães Editores, Edição/reimpressão 2004, ISBN 978-972-665-490-2.

Cortesia de EVercial/GuimarãesE/JDACT