terça-feira, 16 de agosto de 2016

A Conspiração Colombo. Steve Berry. «Mas ele aceitara o conselho. E se perguntou: como explicar um suicídio? Isso é, por definição, um acto irracional. Na melhor das hipóteses, alguém o enterraria»

jdact e wikipedia

Presente
«(…) Morbidamente adequado. Grossas camadas de poeira e cheiro de mofo faziam com que se lembrasse de que a casa estava vazia havia três anos. Ele continuara pagando as contas e os impostos e mandava cortar a relva de vez em quando só para os vizinhos não reclamarem. Mais cedo, ele notara que a grande amoreira na frente da casa precisava ser podada e a cerca pintada. Odiava este lugar. Fantasmas demais. Perambulou pelos cómodos, lembrando-se de dias mais felizes. Na cozinha, ainda podia ver os potes de geleia que sua mãe alinhava no peitoril da janela. A lembrança trouxe uma rara onda de alegria que rapidamente se apagou. Deveria escrever um bilhete e se explicar, culpar alguém ou alguma coisa. Mas para quem? Ou o quê? Ninguém acreditaria nele se contasse a verdade. Infelizmente, assim como oito anos atrás, não havia ninguém para culpar a não ser a si mesmo. Será que alguém se importaria com sua morte? Certamente, não a sua filha. Tom não falava com ela havia dois anos. Sua agente literária? Talvez. Ela ganhara muito dinheiro com os livros que ele escrevera para outras pessoas como ghost writer. Fora um choque descobrir quantos escritores de ficção e best-sellers mal sabiam escrever uma palavra. O que um crítico dissera na época de sua derrocada? Jornalista Sagan parece ter uma carreira promissora como escritor de ficção. Idiota. Mas ele aceitara o conselho. E se perguntou: como explicar um suicídio? Isso é, por definição, um acto irracional. Na melhor das hipóteses, alguém o enterraria. Tinha muito dinheiro no banco. Mais do que suficiente para um funeral digno. Como seria estar morto? A pessoa fica consciente? Consegue escutar? Ver? Sentir cheiros? Ou é simplesmente uma escuridão eterna? Nenhum pensamento. Nenhum sentimento. Nada.
Caminhou de volta para a frente da casa. Era um lindo dia de Março; o sol de meio-dia estava alto no céu. A Flórida fora realmente abençoada com um clima maravilhoso. Como a Califórnia, onde ele morara antes de ser demitido, mas sem os terremotos. Sentiria falta do calor do sol em um agradável dia de verão. Parou sob a limiar da porta e olhou para a saleta. Era assim que sua mãe chamava o cómodo. Era onde seus pais se reuniam no Sabá. Onde Abiram lia a Torá. O lugar onde Yom Kippur e dias sagrados eram comemorados. Lembrava-se da menorá de peltre acesa na mesa ao fundo. Seus pais foram judeus devotos. Depois de seu bar mitzvah, ele também estudou a Torá, de pé diante da janela dividida em 12 vidros, com cortinas de tecido damasco que sua mãe levara meses para costurar. Ela era muitohabilidosa com as mãos, uma mulher adorável, amada por todos. Ele sentia saudades. Ela morrera seis anos antes de Abiram, que estava morto havia três. Era hora de acabar com aquilo. Fitou a arma, uma pistola comprada alguns meses antes em uma exposição em Orlando, e sentou-se no sofá. Nuvens de poeira levantaram e se assentaram. Lembrou-se da lição de Abiram sobre meninos e meninas, pois o pai se sentara no mesmo lugar. Quantos anos ele tinha, 12? Trinta e oito anos atrás. Mas parecia semana passada. Como sempre, as explicações foram grosseiras e concisas. Você entendeu?, perguntara Abiram. É importante que você entenda. Eu não gosto de meninas. Mas vai gostar. Então, não se esqueça do que eu disse. Mulheres. Outro fracasso. Tivera poucos mas preciosos relacionamentos quando mais jovem, casando-se com Michele, a primeira garota a mostrar sério interesse por ele. Mas o casamento acabou depois que foi demitido e não houve outras mulheres. Michele deixara marcas. Talvez eu a encontre logo também, murmurou ele. Sua ex-mulher morrera dois anos antes em um acidente de carro. Foi a última vez que falou com a filha. Suas palavras foram ditas em alto e bom som: saia. Ela não ia querer você aqui. E ele obedeceu, deixando o funeral. Olhou de novo para a arma, colocando o dedo no gatilho. Preparou-se, prendeu a respiração e levou o cano à têmpora. Era canhoto, como quase todos os Sagan. Seu tio, ex-jogador profissional de beisebol, dissera-lhe quando ainda era criança que se ele aprendesse a arremessar uma bola de basebol ganharia uma fortuna nas ligas principais. Canhotos habilidosos eram uma raridade. Mas ele também fracassara nos desportos. Colocou o cano da arma na têmpora. O metal tocou sua pele. Fechou os olhos e colocou o dedo no gatilho, imaginando como seria seu obituário. Terça-feira, 5 de Narço, ex-repórter investigativo Tom Sagan tirou a própria vida na casa de seus pais em Mount Dora, Flórida. Um pouco mais de pressão e...
Toc. Toc. Toc. Abriu os olhos. Um homem estava diante da janela da frente, perto o suficiente dos vidros para Tom ver seu rosto, mais velho do que ele próprio, barbeado, distinto, e sua mão direita. Que segurava uma fotografia, encostada no vidro. Concentrou-se na imagem de uma jovem deitada, com braços e pernas estendidos. Como se estivessem amarrados. Ele conhecia o rosto. Sua filha. Alle». In Steve Berry, A Conspiração Colombo, 2012, Maria B. Medina, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-380-3.

Cortesia de ERecord/JDACT