terça-feira, 16 de novembro de 2010

Adolfo Casais Monteiro: Parte I. «Música triste desenganado canto nocturno a pouco e pouco vai penetrando meu coração»

Cortesia de auladeliteraturaportuguesa

Poeta
Poeta: uma criança em frente do papel,
Poema: os jogos inocentes,
invenções do menino aborrecido e só
A pena joga com palavras ocas,
Atira-se ao ar a ver se ganha o jogo.
Os dados caem: são o poema: Ganhou.
Adolfo Casais Monteiro, in Confusão,1929, primeiro poema do seu primeiro livro.

Aurora
A poesia não é voz – é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho da cada um, a expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro dentro.
Adolfo Casais Monteiro


Fado
Música triste
desenganado
canto nocturno
a pouco e pouco
vai penetrando
meu coração

Nocturna prece
ou pesadelo
não sei que sombra
aquele canto
em mim deixou.

Febre ou cansaço?
Não sei! Nem quero.
lúgubre pranto
de roucas vozes
não tem beleza
- só emoção.

É como um eco
de noites mortas
de vidas gastas
ao deus dará.

Mas eu o recebo
dentro de mim.
Entendo. Choro.
Eu o recebo
Como um irmão.
Adolfo Casais Monteiro, 1939

Cortesia de Lusografiawordpress/JDACT